Texto da Delegação Nossa Senhora Aparecida: https://www.pobresservos.org.br/noticia/joao-calabria-antes-da-ordenacao-o-esplendor-da-vocacao-escondida/
Um relato imersivo para mentes sensíveis e exigentes, onde a simplicidade se revela como grandeza espiritual.
Entre as vielas silenciosas da Verona oitocentista, nasceu, sem alarde, uma das almas mais luminosas do século XX: João Calábria. Filho de Luís, um sapateiro combalido pela pobreza, e de Ângela Foschio, lavadeira de virtudes serenas e fé invencível, o menino João emergiu de um sótão para a história — não por conquistas humanas, mas por sua capacidade sobre-humana de crer quando nada mais fazia sentido.
A vida não o esperou com ternura. Perdeu o pai aos doze anos, mergulhou no trabalho braçal, e interrompeu os estudos duas vezes por pura necessidade. Tentou a sorte em ofícios diversos — foi balconista, moldurista, entregador — mas em todos eles, era demitido com estardalhaço. Faltava-lhe o talento para as exigências práticas, mas sobrava-lhe uma inquietação divina, uma intuição silenciosa: ele não nascera para encaixar-se; nascera para consagrar-se.
“Tu só prestas pra ser padre!” — vociferou-lhe um patrão, ao lhe dar um tapa e a demissão. Irônico? Não. Profético. A Providência falava até pela boca dos desavisados.
Joãozinho era sensível, sonhador, atento ao sofrimento dos outros desde a infância. Sentiu na carne o peso da humilhação social: viu objetos da casa serem penhorados, suportou visitas humilhantes da caridade pública, foi zombado por não ganhar relógio em sua Primeira Comunhão. Mas nunca murmurou. Absorveu a dor com a nobreza dos santos e devolveu ao mundo… confiança.
Foi Pe. Pedro Scapini quem reconheceu a centelha extraordinária oculta sob a timidez de João. Preparou-o pessoalmente para os exames do seminário. João foi admitido como aluno externo — uma vitória para quem andava descalço nas pedras da miséria.
Mas o progresso era lento. Os estudos o cansavam, a fome o enfraquecia, o preconceito dos professores o humilhava. Era tido como “limitado”, “sem brilho intelectual”. E, no entanto, ninguém percebia que ali se moldava, no silêncio, um gênio da caridade.
O serviço militar parecia ser o fim da estrada. Calábria, com seu jeito distraído e modos gentis, era um desastre em exercícios e desfiles. Mas na enfermaria do quartel, revelou-se: cuidava dos soldados com uma ternura desconcertante. Durante a epidemia de tifo, arriscou a vida — adoeceu, mas venceu. Disse certa vez: “No fundo de cada soldado, esconde-se uma criança que só queria voltar para os braços da mãe.” Ali não se forjava um soldado. Formava-se um apóstolo dos esquecidos.
Ao retornar do exército, os superiores ainda hesitavam: permitir que Calábria vestisse a batina? Sua inteligência era “pouco promissora”. Sua teologia, “fraca”. Um dos professores recusou-lhe a nota mínima. Foi Pe. Scapini quem interveio com veemência quase profética:
“Se recusarem a vocação deste jovem, que o céu vos cobre de responsabilidade! Ninguém aqui é mais piedoso, humilde e obediente!” Convencidos, os superiores cederam. E João Calábria, finalmente, vestiu o traje dos que se entregam totalmente a Deus.
Num novembro gelado de 1897, ao regressar de uma visita hospitalar, João encontrou em sua porta um farrapo de menino. Tremendo de frio, trazia um rato treinado numa gaiola e uma alma esmagada de dor.
“Fugiu de onde?”, perguntou.
“Apanhei porque não trouxe dinheiro. Eles sempre batem…”
João levou-o para dentro. Dividiu a janta escassa, improvisou uma cama sobre cadeiras, deitou-se no chão. Na manhã seguinte, procurou um sacerdote para saber o que fazer. Era a Providência batendo à porta, pedindo mais do que caridade: convocando para uma missão cósmica.
Esse menino cigano não apenas foi salvo. Foi o sinal. O Evangelho havia saltado das páginas para os braços de Calábria.
Antes mesmo de ser sacerdote, João Calábria já era pai dos pobres, irmão dos doentes, servo dos pequenos. A teologia o entediava. Mas a vida, essa sim, o encantava. Reunira benfeitores, catequizava crianças, animava almas feridas, cuidava dos desvalidos. Estava profundamente identificado com a pedagogia divina da Providência.
Ele não pregava a fé como quem cita dogmas. Ele a vivia como quem bebe água numa manhã sedenta. Simples, direto, convincente. Não pela eloquência, mas pela coerência.
Em 11 de agosto de 1901, ele foi ordenado sacerdote. Mas sua missão… já ardia havia muito tempo.
João Calábria, antes mesmo de subir ao altar, já caminhava ao lado do Cristo que desce às sarjetas do mundo. A grandeza do seu sacerdócio não começou na imposição das mãos, mas no abraço ao menino cigano. Foi ali que o Reino de Deus começou a tomar forma.
Capítulo II – O nascimento de uma Obra nascida do Evangelho vivo.
Em breve… continue conosco nesta jornada épica pela vida de São João Calábria.